quarta-feira, 27 de julho de 2011

Um ode à minha amada

Em homenagem à Carolina, por ocasião de nosso casamento

Nem mesmo todos os mares do mundo
Podem matar em meu peito esta chama,
Pois se em fornalha a centelha inflama,
Nada arde mais que um amor tão profundo.

Por isso peço-lhe, instante fecundo,
Fazei sorrir coração de quem ama;
Pois por tua alma, a minha proclama:
“Sem ti não posso ficar um segundo!”

Não há mistério a ser resolvido,
Só nosso canto a ser repetido;
Tenho comigo da flor a mais linda!

E cá estou a pedir-lhe ao ouvido,
Falando a ti de amor prometido,
Sede a minha mulher, Carolina.

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Mais de um ano sem ter postado nada! O tempo passa célere e sem piedade, sem dúvida - não saberia dizer onde ficou este tempo todo para que eu não tivesse criado mais nada. Mas, aproveitando agora uma ocasião definitivamente significativa, trabalhei num novo soneto como meus votos para meu casamento. Deu um trabalho grande retomar a versificação - foram pelo menos duas semanas na primeira estrofe; mas depois de tê-la concluído, os outros versos me surgiram naturalmente. 
Como todo soneto, este poema segue um esquema de rimas rigoroso; neste caso: ABBA ABBA CDE CDE. As rimas C e D ficaram bastante próximas ("vido" e "tido"), e a rima E acabou precisando de uma certa licença para nomear a destinatária dos versos. Consegui manter todas as rimas graves.
A métrica escolhida para compor o soneto foi a moinheira, por eu ter gostado muito de sua sonoridade e facilidade de composição - os versos realmente surgem dentro dos pés esperados. O interessante da moinheira é o fato de ela ser composta por dois anapestos, antecedidos por um epitrito de quarta. Porém, este primeiro pé, tendo quatro tempos, dá lugar a um número de variações - p.e., um duplo iambo ("E cá estou...") ou então um troqueu e um iambo ("Podem matar...") - neste último caso, a sonoridade dos anapestos posteriores encontra eco em seu início. De qualquer forma, parece-me que a suspensão ocasionada pelo primeiro pé encontra um certo arremate nos dois pés seguintes, mais curtos e marcantes.

"Pois / por / tu / a_al / ma, / a / mi / nha / pro / clama"

Como é possível notar neste verso, tomei algumas licenças em não elidir algumas vogais que normalmente teriam sido contraídas, como em "alma, a".

sábado, 12 de dezembro de 2009

Muinheira



Esplendorosas estrelas, sois vós
E apenas vós, que desejo cantar
Plêiades, filhas de Atlas, mostrai
Vossos formosos semblantes a mim


Deixai cair vosso véu de mistério
Enquanto envolvem meus sonhos de noites,
Enchem meus olhos de cores e luzes
Iluminados por alvo luar


Seria Baco, se a graça tivesse
De ser por vós abraçado e cuidado
Mas não é possível, criatura terrestre
Causar encanto nos seres celestes


No firmamento distante a fulgir
Jóias eternas, sem fim no porvir
Causam suspiros em reles mortais
De quem o fim não é previsto demais

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Com outros escritos dando uma trégua, sobra-me um pouco de tempo para retomar a métrica e a prosódia. Aqui, quatro quartas em versos (quase) brancos. Não me preocupei com as rimas desta vez, elas quase que vieram por conta própria - e por isso estão escassas. Pelo contrário, procurei me focar completamente no ritmo, experimentando essa variedade do decassílabo conhecido como "moinheira" (ou "muinheira") ou "gaita galega". O ritmo me foi de tal maneira contagiante que depois de alguns versos ele se impunha sozinho em meu pensamento. Ainda que algumas linhas tenham quebrado um pouco o ritmo por causa de uma tonicidade muito precoce (como em "Plêiades, filhas de Atlas...").
Para não perder o costume, aqui vai a escansão de um dos versos:

Mas | não_é | pos | | vel, | cri_a | tu | ra | ter | res ( tre )
   1          2       3     4   5         6      7     8    9       10

O negrito marca as tônicas principais, na quarta, sétima e (obviamente) décima sílaba. Nesse verso em particular,  temos uma sinalefa na segunda sílaba (na leitura, ficaria algo como "né"); e uma sinérese na sexta sílaba.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Paraíso Perdido





Escrito inspirado em "Paradise Lost", de John Milton

I – A Punição

“Cortem as asas dele!” – ordenou o carrasco.
“As asas com as quais uma vez varou céus –
Ah! Não mais, nunca mais!” – falou tomado de asco
Que escorria da pele e enchia o ar de fel
“E joguem-no por fim, sem asas, do penhasco!”

“Não deixem pluma alguma em tão pérfido réu.
Talhem todas as seis! Seis é sua medida,
Seis o seu julgamento e seis o seu laurel!
Que levará consigo até o fim da vida
E será para sempre o seu algoz cruel.”

Das seis asas privado, o sangue da ferida
Sobre seu corpo nu vertia fogo ardente.
Arrastado ele foi para sua caída
Posto à beira do abismo a contemplar ciente
A sina a si negada e assim sempre temida

“Vê, pela última vez, esta orbe reluzente
Que um dia foi teu lar, tomou teu desamparo –
Ah! Não mais, nunca mais!” – bradou a voz demente
Ao prender os grilhões sem um grande preparo:
“Teu crime a ti atado em teu curso cadente!”

“Não mais terás visão alguma do céu claro
E do brilho estelar – somente escuridão!
Suportarás em falta o anelo que lhe é caro –
Com trevas sobre ti, sem sombra de perdão,
Terás apenas dor em sofrimento raro!”

II – A Réplica

De frente para o abismo enxugou sua face
Dessas gotas de sangue e ódio que o marcavam
Sem mais ter asas que o antigo céu lembrasse
Sem mais visão do céu nos olhos que buscavam
Eis o fim, derradeiro, eis seu fim em seu ápice

"Se seis foi meu início, os seios que tocavam
Seis há de ser também meu fim ao precipício
Seis hão de ser, porém, as pragas aos que ficam!"
Com a língua ferina, aos seus no sacrifício
Feriu com a palavra aqueles que o cercavam

Sob o cerúleo céu, sobre sombra de vício
“Levanta, obscuro véu – diz: de onde tu vieste?
Quando o fim começou? No adorável início?
No orgulho sem perdão? Vê o que tu fizeste!”
As palavras sem cor gritavam seu auspício

“Não respondes, maldito! Oferece-me um teste?
Sou de destino escrito? Ou fiz própria ruína?
De nada importa isto! Estou aqui, a peste!
Nunca me detiveste, e assim tudo termina:
Melhor fulgir na noite a obrar na orbe celeste!”

Um passo a mais, dois, três – finda a carnificina
Cai em pleno vazio, nem som, nem voz, nem nada
Consome toda cor, breu que tudo domina
Mas somem os grilhões e começa a jornada
Em solidão, talvez; sem ordália divina.



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Terminado mais um poema. Nada fácil fazer cinquenta versos alexandrinos, ainda mais com rima. Obviamente que o resultado deixa um pouco a desejar em algumas passagens, certamente exigindo cinzeladas posteriores. Mas por ora, e pela falta de tempo, dou-me por satisfeito.


quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Alexandrinos II - Segunda parte


De frente para o abismo enxugou sua face
Dessas gotas de sangue e ódio que o marcavam
Sem mais ter asas que o antigo céu lembrasse
Sem mais visão do céu nos olhos que buscavam
Eis o fim, derradeiro, eis seu fim em seu ápice

"Se seis foi meu início, os seios que tocavam
Seis há de ser também meu fim ao precipício
Seis hão de ser, porém, as pragas aos que ficam!"
Com a língua ferina, aos seus no sacrifício
Feriu com a palavra aqueles que o cercavam

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Depois de um bom tempo sem retornar a escrita no blog, eis que a releitura me motivou a dar continuidade, ainda que sem promessa, do que estava sendo escrito. Dois quintetos, então, da segunda parte desse poema começado ainda no ano passado.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Alexandrinos II - Fim da Primeira Parte


I – A Punição

“Cortem as asas dele!” – ordenou o carrasco.
“As asas com as quais uma vez varou céus –
Ah! Não mais, nunca mais!” – falou tomado de asco
Que escorria da pele e enchia o ar de fel
“E joguem-no por fim, sem asas, do penhasco!”

“Não deixem pluma alguma em tão pífio réu.
Talhem todas as seis! Seis é sua medida,
Seis o seu julgamento e seis o seu laurel!
Que levará consigo até o fim da vida
E será para sempre o seu algoz cruel.”

Das seis asas privado, o sangue da ferida
Sobre seu corpo nu vertia fogo ardente.
Arrastado ele foi para sua caída
Posto à beira do abismo a contemplar ciente
A sina a si negada e assim sempre temida

“Vê, pela última vez, esta orbe reluzente
Que um dia foi teu lar, tomou teu desamparo –
Ah! Não mais, nunca mais!” – bradou a voz demente
Ao prender os grilhões sem um grande preparo:
“Teu crime a ti atado em teu curso cadente!”

“Não mais terás visão alguma do céu claro
E do brilho estelar – somente escuridão!
Suportarás em falta o anelo que lhe é caro –
Com trevas sobre ti, sem sombra de perdão,
Terás apenas dor em sofrimento raro!”

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Mais duas estrofes, algumas cinzeladas aqui e acolá, e primeira parte (temporariamente intitulada "A Punição) está terminada, por ora - até novos reparos se mostrarem necessários.
Enquanto o burilamento não se mostra evidente, vou continuando e elaborando as duas partes seguintes, das quais alguns versos já começam a se conformar.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Alexandrinos II - Primeira parte

I – A Punição

“Cortem as asas dele!” – ordenou o carrasco.
“As asas com as quais uma vez cruzou céus –
Ah! Não mais, nunca mais!” – falou tomado de asco
Que escorria da pele e enchia o ar de fel
“E joguem-no por fim, sem asas, do penhasco!”

“Não deixem pena alguma em tão pífio réu.
Talhem todas as seis! Seis é sua medida,
Seis é seu julgamento e seis o seu laurel!
Que levará consigo até o fim da vida
E será para sempre o seu algoz cruel.”

Das seis asas privado, o sangue da ferida
Sobre seu corpo nu vertia fogo ardente.
Arrastado ele foi para sua caída
Posto à beira do abismo a contemplar ciente
A sina reservada a si e assim temida

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Bem, um novo impulso tomou conta de mim, e resolvi retomar os alexandrinos. Pensei em trabalhar com versos heróicos, mas precisava de maior espaço para dar conta do meu palavrório - e muito mais que doze sílabas, só barbarizando o poema ou retomando novamente a métrica clássica, nenhuma opção que gostaria de recorrer. Por fim, para não me manter em nenhuma forma tradicional de arranjo de estrofes e versos, resolvi que escreveria cerca de 100 versos, divididos em vinte stanzas, e estas agrupadas, por fim, em torno de seu tema central. Veremos o que poderá nascer daí.
Como o trabalho se mostra dispendioso, preferi ir publicando-o em partes, para não manter o blog entregue às traças. Aí em cima, três primeiras estrofes que comporão a primeira parte.

Para não perder o costume, e para exercitar a língua, coloco aqui a escansão do primeiro verso:
"COR - tem as A-sas DE(le!") || - _or-de-NOU o ca-RRAS(co)
Lembrando: o verso Alexandrino clássico é composto por dois hemísticos de seis pés cada. Sendo rigoroso, a cesura que separa o primeiro hemístico deve ser tônica, ou seja, terminar com a tônica na sexta sílaba, sem nenhum "excesso" silábico - uma oxítona, de preferência. Aqui, aparentemente, esta regra é ferida, mas deve-se prestar atenção: o restante, posto entre parêntesis, sofre elisão pela sílaba inicial do hemístico seguinte.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Muito Barulho por Nada


Brado em palavras um grito silente no peito fechado
Grito de dor e de raiva e de cólera e ira tomado
Cerro meu punho sem ter entretanto temor em desistir
Berros e murros rasgando na vida uma dor de existir

Pausa – o silêncio impera suspenso, no ocaso calado
Nem um suspiro ressoa na noite de ar tão pesado
Só calmaria opressora, no abismo sem fundo a insistir
Nada mais ouço no escuro, nem eco nem som a persistir

Mudo foi feito o clamor – manifesta-se enfim a quietude
Como somente depois do alarido percebo-me tão só?
Contra o que mesmo me bato e debato, senão solitude?

Num desatino passado desfaz-se completo um nó
Tão instantâneo o momento perdido na imensa amplitude
Somem efêmeros brado e silêncio – retorno eu ao pó

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Depois de muito obrar sobre o poema, consegui enfim (mas não sem o uso talvez inexcuso de licença poética) completar um soneto composto unicamente por versos hexâmetros datílicos, como os clássicos épicos.

Sem me alongar por demais nos comentários, faço a escansão do primeiro verso para mostrar a estrutura tipicamente utilizada nos versos que fizeram a fama de Ilíada, Odisséia e tantos outros épicos gregos e latinos.

BRA-do_em pa- | LA-vras um | GRI-to || si | LEN-te no | PEI-to fe- | CHA-do

O verso, é claro, é composto por seis pés dáctilos, ou seja, seis metros compostos por uma sílaba tônica seguida por duas átonas (lembrando, é claro, que é feita a tranposição tradicional das sílabas longas e curtas do grego e latim para sílabas tônicas e átonas no português). Entretanto, o último pé nunca é completo, sendo normalmente um espondeu (duas sílabas tônicas). Como isso é difícil de se conseguir em português, utilizei-me de licença poética e variei as últimas duas sílabas no decorrer do poema todo.
O hexâmetro também é marcado por uma cesura, uma pausa no meio do verso. Tipicamente essa cesura recai depois da tônica do terceiro dáctilo (cesura masculina), ou então depois da primeira átona do terceira dáctilo (cesura feminina). Neste verso específico, temos uma cesura feminina (marcada por "||").

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Sáficos I - Antes que o dia chegue


Sobre a cama mal arrumada vejo
Tua forma bela, por ti ocultada
Sob lençol desnudas o meu desejo
Ninfa sonhada!

Pés descalços mostram-se de soslaio
Véu de linho esconde-lhe a tez dourada
Quais encantos guarda o sorriso gaio,
Ninfa sonhada?

Eu venero as horas da noite escura
Cheias do silêncio da alvorada
Quando cantas só para minha ardura
Ninfa sonhada.

Meia luz que o rosto de sombras cobre
Faz brilhar o olhar que me torna em nada
Nada além de anelo por corpo nobre
Ninfa sonhada.

Minha mão te encontra em roçar garrido
Sinto assim tremer, de prazer tomada
Só suspiro leve no teu ouvido,
“Ninfa sonhada...”


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Mais três stanzas compostas, e eis pronto um novo poema. Melhorei um verso que no post anterior só funcionava por licença poética, e pronto. Sem escansões desta vez.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Ensaiando novas formas


Sobre a cama mal arrumada vejo
Tua forma bela, por ti ocultada
Sob lençol desnudas o meu desejo
Ninfa sonhada!

Pés descalços mostram-se de soslaio
Véu de linho esconde a tez dourada
Quais encantos guarda o sorriso gaio,
Ninfa sonhada?


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Nova empreitada: experimentar agora os versos sáficos em sua forma tradicional. Nome dado em homenagem à poetisa grega que os tornou famosos, Safo, seu esquema é constante: cada estrofe tem quatro versos, três dos quais são compostos por - troqueu | troqueu | dátilo | troqueu | troqueu - e, por fim, um verso Adônico, composto por apenas dois pés: dátilo | troqueu.
Aí em cima está um exemplo, em duas stanzas de esboço de um novo poema. Tive que me utilizar da boa e velha licença poética para alcançar os metros desejados em dois versos, e optei por utilizar rimas, ainda que não sejam utilizadas nos versos sáficos clássicos. Quanto ao verso adônico, optei por tranformá-lo num refrão, experimentando com a repetição da sonoridade, como o "Raven" de Poe.
Como não poderia deixar passar, faço a escansão do primeiro verso e do refrão para explicar melhor seus metros:

SO - bre_a | CA - ma | MAL a - rru -| MA - da | VE - jo

O troqueu é um pé com uma sílaba tônica e a seguinte átona. O dáctilo, como já falado em outro post, contém a uma sílaba tônica seguida por duas átonas. Passemos ao verso adônico:

NIN - fa so - | NHA - da

Eis aí novamente o dátilo seguido de um troqueu.

Apenas uma nota final quanto ao tema: os versos da poetisa Safo são famosos por remeterem ao erotismo de uma forma geral. Como não poderia deixar a oportunidade passar, retomo também o conteúdo clássico para tal forma poética.

sábado, 8 de novembro de 2008

Palavras quietas


De tantos versos fiz-me haver assim
E sem saber de que lugar provêm
Que disse a mim poder ouví-los bem
Ainda que ninguém ouvisse enfim

Palavra bela, feia e outra afim
Seus sons soavam sem supôr porém
Estarem sendo ditas por alguém
E mesmo assim falavam alto em mim

Mas ora, nada disso importa então
Se os versos toam para ouvido atroz
A minha fala mostra ser em vão

Contudo faço austera minha voz
Retomo o verbo certo e meu quinhão
E brado meu poema em tom feroz

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Terminei o soneto, depois de alguns dias trabalhando nele. Os dois tercetos saíram devagar, exigindo atenção especial. Alterei apenas um verso da segunda estrofe para melhorar a sonoridade do soneto. No fim, consegui compô-lo integralmente em pentâmetros iâmbicos.