terça-feira, 25 de novembro de 2008

Muito Barulho por Nada


Brado em palavras um grito silente no peito fechado
Grito de dor e de raiva e de cólera e ira tomado
Cerro meu punho sem ter entretanto temor em desistir
Berros e murros rasgando na vida uma dor de existir

Pausa – o silêncio impera suspenso, no ocaso calado
Nem um suspiro ressoa na noite de ar tão pesado
Só calmaria opressora, no abismo sem fundo a insistir
Nada mais ouço no escuro, nem eco nem som a persistir

Mudo foi feito o clamor – manifesta-se enfim a quietude
Como somente depois do alarido percebo-me tão só?
Contra o que mesmo me bato e debato, senão solitude?

Num desatino passado desfaz-se completo um nó
Tão instantâneo o momento perdido na imensa amplitude
Somem efêmeros brado e silêncio – retorno eu ao pó

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Depois de muito obrar sobre o poema, consegui enfim (mas não sem o uso talvez inexcuso de licença poética) completar um soneto composto unicamente por versos hexâmetros datílicos, como os clássicos épicos.

Sem me alongar por demais nos comentários, faço a escansão do primeiro verso para mostrar a estrutura tipicamente utilizada nos versos que fizeram a fama de Ilíada, Odisséia e tantos outros épicos gregos e latinos.

BRA-do_em pa- | LA-vras um | GRI-to || si | LEN-te no | PEI-to fe- | CHA-do

O verso, é claro, é composto por seis pés dáctilos, ou seja, seis metros compostos por uma sílaba tônica seguida por duas átonas (lembrando, é claro, que é feita a tranposição tradicional das sílabas longas e curtas do grego e latim para sílabas tônicas e átonas no português). Entretanto, o último pé nunca é completo, sendo normalmente um espondeu (duas sílabas tônicas). Como isso é difícil de se conseguir em português, utilizei-me de licença poética e variei as últimas duas sílabas no decorrer do poema todo.
O hexâmetro também é marcado por uma cesura, uma pausa no meio do verso. Tipicamente essa cesura recai depois da tônica do terceiro dáctilo (cesura masculina), ou então depois da primeira átona do terceira dáctilo (cesura feminina). Neste verso específico, temos uma cesura feminina (marcada por "||").

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Sáficos I - Antes que o dia chegue


Sobre a cama mal arrumada vejo
Tua forma bela, por ti ocultada
Sob lençol desnudas o meu desejo
Ninfa sonhada!

Pés descalços mostram-se de soslaio
Véu de linho esconde-lhe a tez dourada
Quais encantos guarda o sorriso gaio,
Ninfa sonhada?

Eu venero as horas da noite escura
Cheias do silêncio da alvorada
Quando cantas só para minha ardura
Ninfa sonhada.

Meia luz que o rosto de sombras cobre
Faz brilhar o olhar que me torna em nada
Nada além de anelo por corpo nobre
Ninfa sonhada.

Minha mão te encontra em roçar garrido
Sinto assim tremer, de prazer tomada
Só suspiro leve no teu ouvido,
“Ninfa sonhada...”


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Mais três stanzas compostas, e eis pronto um novo poema. Melhorei um verso que no post anterior só funcionava por licença poética, e pronto. Sem escansões desta vez.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Ensaiando novas formas


Sobre a cama mal arrumada vejo
Tua forma bela, por ti ocultada
Sob lençol desnudas o meu desejo
Ninfa sonhada!

Pés descalços mostram-se de soslaio
Véu de linho esconde a tez dourada
Quais encantos guarda o sorriso gaio,
Ninfa sonhada?


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Nova empreitada: experimentar agora os versos sáficos em sua forma tradicional. Nome dado em homenagem à poetisa grega que os tornou famosos, Safo, seu esquema é constante: cada estrofe tem quatro versos, três dos quais são compostos por - troqueu | troqueu | dátilo | troqueu | troqueu - e, por fim, um verso Adônico, composto por apenas dois pés: dátilo | troqueu.
Aí em cima está um exemplo, em duas stanzas de esboço de um novo poema. Tive que me utilizar da boa e velha licença poética para alcançar os metros desejados em dois versos, e optei por utilizar rimas, ainda que não sejam utilizadas nos versos sáficos clássicos. Quanto ao verso adônico, optei por tranformá-lo num refrão, experimentando com a repetição da sonoridade, como o "Raven" de Poe.
Como não poderia deixar passar, faço a escansão do primeiro verso e do refrão para explicar melhor seus metros:

SO - bre_a | CA - ma | MAL a - rru -| MA - da | VE - jo

O troqueu é um pé com uma sílaba tônica e a seguinte átona. O dáctilo, como já falado em outro post, contém a uma sílaba tônica seguida por duas átonas. Passemos ao verso adônico:

NIN - fa so - | NHA - da

Eis aí novamente o dátilo seguido de um troqueu.

Apenas uma nota final quanto ao tema: os versos da poetisa Safo são famosos por remeterem ao erotismo de uma forma geral. Como não poderia deixar a oportunidade passar, retomo também o conteúdo clássico para tal forma poética.

sábado, 8 de novembro de 2008

Palavras quietas


De tantos versos fiz-me haver assim
E sem saber de que lugar provêm
Que disse a mim poder ouví-los bem
Ainda que ninguém ouvisse enfim

Palavra bela, feia e outra afim
Seus sons soavam sem supôr porém
Estarem sendo ditas por alguém
E mesmo assim falavam alto em mim

Mas ora, nada disso importa então
Se os versos toam para ouvido atroz
A minha fala mostra ser em vão

Contudo faço austera minha voz
Retomo o verbo certo e meu quinhão
E brado meu poema em tom feroz

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Terminei o soneto, depois de alguns dias trabalhando nele. Os dois tercetos saíram devagar, exigindo atenção especial. Alterei apenas um verso da segunda estrofe para melhorar a sonoridade do soneto. No fim, consegui compô-lo integralmente em pentâmetros iâmbicos.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Esboço de Soneto II - Segundo quarteto


Palavra bela, feia e outra afim
Seus sons soavam sem supôr porém
Que estavam sendo ditas por alguém
Mas mesmo assim falavam alto em mim

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Eis que o segundo quarteto se completa, deste soneto escrito a prazo. Faltam ainda os dois tercetos, que pretendo terminar antes do final de semana chegar. O esquema rítmico continua o mesmo, apesar de ter sofrido em momentos para alterar os iambos por troqueus, para experimentar. Mas não. Desta vez, apenas iambos.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Esboço de Soneto I - Quarteto inicial


De tantos versos fiz-me haver assim
E sem saber de que lugar provêm
Que disse a mim poder ouví-los bem
Ainda que ninguém ouvisse enfim


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Eis aí um quarteto, que era para ser, de início, uma trova, mas que decidi por fim tornar num soneto. O esquema rítmico que decidi utilizar é o pentâmetro iâmbico, típico dos sonetos ingleses, que contém cinco iambos. Um iambo é uma unidade rítmica (um pé) composto por uma sílaba átona e uma tônica, nesta sequência. Fiquei particularmente orgulhoso por ter conseguido compor o último verso sem precisar alterar em nada sua estrutura ou suas palavras: ele me surgiu no espírito tal qual está escrito, já dentro da métrica pretendida.
Para finalizar, apenas a escansão do primeiro verso para mostrar sua estrutura:

De TAN / tos VER / sos FIZ / -(me)haVER / aSSIM

Cinco pés iâmbicos, que por sua vez contam 10 sílabas poéticas. Nota especial para a elisão do "e"de "-me" pelo a de "ha", dando uma única sílaba poética.

Dístico Elegíaco II


É a linguagem que fala naquilo que digo, somente
Nem sentimento ou intenção tenho poder de dizer

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Eis aí mais um dístico. Seguindo, é claro, o mesmo esquema rítmico: um hexâmetro e um pentâmetro dactílico.
O modo de criação poética nesta métrica está se tornando um pouco mais evidente para mim; quero ver se consigo escrever uma trova num esquema semelhante, como o pentâmetro iâmbico.
Creio ter conseguido obter um dístico mais sonoro, desta vez.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Propedêutica prosódica prolixa - OU Dístico Elegíaco I


"É com a língua que falo, mas não a utilizo e sim, sofro-a
Tal qual doente febril que arde sentindo-se só"

Sem P.S. - tal dístico merece explicação. Eis que brincando com os sons das palavras, deparo-me com a métrica clássica, grega e latina, e a maneira como é utilizada na poesia inglesa em profusão. Fiquei ainda mais surpreso em perceber que a métrica de nossa querida língua, ainda que esta tenha se originado do latim vulgar, perdeu do latim a prosódia, e desenvolveu, numa história que ainda preciso desvendar, um esquema rítmico próprio, diferenciado.
Intrigado com a complexidade dos diversos pés e metros da prosódia clássica, pensei em elaborar a partir dela algum poema. Minha dificuldade foi tamanha, que resolvi reduzir meu esforço a um pequeno dístico elegíaco - um par de versos, sendo o primeiro um hexâmetro dactílico, e o segundo um hexâmetro dactílico com dupla catalexia - ou seja, com dois pés incompletos - e dotado de uma cesura.

Como o amontoado de palavras pode não ter feito muito sentido, façamos a escansão do dístico para revelar sua estrutura.

Somente uma nota anterior: é impossível nos desvencilharmos do registro do sentido, mas, para a análise do poema, concentremo-nos em seu aspecto sonoro, que é o que nos interessa aqui, enfim.
Colocarei em maiúsculo e negrito as sílabas tônica para melhor marcar os pés dos versos.

É com a | LÍNgua que | FAlo, mas | NÃO a uti | LIzo e sim, | SOfro-a
TAL qual do | ENte fe | BRIL || QUE ARde sen | TINdo-se|

Cada barra ("|") separa um pé do seguinte. Os pés são dactílicos porque se organizam no seguinte esquema: "Sílaba Tônica - Sílaba átona - sílaba átona", que é, justamente, o pé dátilo. Como são seis pés, ambos os versos são hexâmetros. Entretanto, o primeiro verso tem seu último pé cortado, ou seja, cataléxico, na medida em que seu esquema é apenas "Sílaba tônica - Sílaba átona" (lembremo-nos que o "o" é elidido pelo "a" que o segue neste pé).

O segundo verso começa com dois dátilos, mas é interrompido por uma sílaba tônica, que forma um pé próprio. Seguido deste pé manco, temos a cesura ("||"), que marca uma pausa no verso, um rompimento na cadeia rítmica. Por fim, mais dois pés dactílicos, finalizados por outra sílaba tônica, denotando outro pé cataléxico e fechando o poema.

Por possuir apenas quatro pés dactílicos e duas sílabas tônica, o segundo verso costuma ser classificado não como hexâmetro, mas sim como pentâmetro (as duas sílabas longas marcariam um quinto pé).